RESUMO
Objetivo: Identificar a inserção ulnar do ligamento colateral lateral ulnar (LCLU) utilizando a ponta do olécrano e a cabeça do rádio como parâmetros fixos orientando a cirurgia de reconstrução ligamentar. Métodos: Foram dissecados 13 cotovelos de cadáveres adultos frescos para estudo do LCLU. Com paquímetro digital mediu-se as distâncias entre as inserções proximal e distal do LCLU na ulna (footprint), entre a cabeça do rádio e a zona do footprint e entre o olécrano e a zona do footprint. Resultados: A distância média da cabeça do rádio ao ponto de inserção proximal e distal do LCLU foi 13,6 e 22,99mm respectivamente, da ponta do olécrano à inserção proximal e distal do LCLU foi 38,25 e 47,6mm respectivamente e o comprimento médio do footprint do LCLU foi 9,35mm. Conclusões: A inserção do LCLU possui um footprint amplo com média de 9,3mm (7,5-11mm). O ponto médio de inserção ulnar situa-se a 18,2mm da cabeça do rádio e a 42,9mm da ponta do olécrano.
Descritores - Cotovelo/anatomia&histologia; Cotovelo/cirurgia; Articulação do Cotovelo; Cadáver
Keywords - Elbow/anatomy&histology; Elbow/surgery; Elbow Joint; Cadaver
INTRODUÇÃO
O cotovelo possui estabilidade óssea inerente devido suas características anatômicas, mas as estruturas de tecidos moles adjacentes também contribuem. Os estabilizadores estáticos são a cápsula anterior e posterior e os ligamentos colaterais mediais e laterais, e os estabilizadores dinâmicos são os músculos que atravessam a articulação comprimindo as superfícies ósseas.(1)
Apesar da luxação aguda do cotovelo ser frequente, sendo a segunda mais comum das grandes articulações, a instabilidade crônica e a luxação recidivante são menos relatadas.(1,2) A instabilidade crônica sintomática mais comum do cotovelo é a rotatória posterolateral (IRPL) em que o rádio e a ulna rodam externamente em relação ao úmero distal levando ao deslocamento posterior da cabeça do rádio em relação ao capítulo.(3) Segundo O`Driscoll(4) o principal responsável por este deslocamento é a lesão do ligamento colateral lateral ulnar (LCLU).
O complexo ligamentar lateral pode ser lesionado consequente a um trauma, iatrogenicamente ou por sobrecarga mecânica crônica. A luxação aguda do cotovelo é a principal causa traumática devido ao mecanismo de sobrecarga axial, supinação e valgo em que ocorre progressão da lesão capsuloligamentar de lateral para medial.(5) A lesão do complexo lateral pode ocorrer iatrogenicamente após liberações cirúrgicas abertas ou artroscópicas para epicondilite lateral, abordagens à cabeça do rádio e até por infiltrações seriadas no compartimento lateral.(3,6,7) A sobrecarga crônica do cotovelo também pode ocasionar instabilidade como nos casos de cúbito varo e nos pacientes que usam muletas.(3,8)
Os sintomas da instabilidade crônica rotatória posterolateral, na maioria das vezes, não melhoram com o tratamento conservador e necessitam de tratamento cirúrgico através da reparação, retensionamento ou reconstrução.(3,9)
Ao contrário do complexo medial que apresenta concordância nas observações de sua descrição anatômica, o complexo lateral possui divergências quanto a: ligamentos que o compõem, tipos de inserção do LCUL e do ligamento anular (conjunta ou separada), localização exata da sua inserção.(1,2,10-12) A falta de trabalhos publicados e pouca unanimidade quanto a localização da inserção ulnar nas reconstruções do LCLU dificultam o procedimento para um posicionamento anatômico.(9,13-16)
Este estudo teve como objetivo identificar a inserção ulnar do LCLU utilizando a ponta do olécrano e a cabeça do rádio como parâmetros fixos visando orientar o posicionamento do túnel ulnar nas cirurgias de reconstrução ligamentar.
MÉTODOS
Foram estudados 14 cotovelos de 7 cadáveres adultos recentes resfriados, sem anormalidades congênitas, artrose avançada e sinais de trauma ou cirurgia prévia. Um deles foi descartado pois apresentava sinais de fratura antiga no olécrano, resultando em 13 cotovelos, 6 homens e uma mulher, com média de idade de 66,4 anos variando de 55 a 92 anos, sendo 7 cotovelos direitos e 6 esquerdos.
As dissecções foram realizadas por um único pesquisador. Um estudo piloto com 4 cotovelos de 2 cadáveres foi realizado previamente, antes que fosse iniciado a coleta de dados, para melhor conhecimento e estudo da anatomia local.
A pele do aspecto lateral do cotovelo foi incisada e refletida até a fáscia muscular. Acessou-se o intervalo entre o músculo anconeu, que teve sua inserção ulnar liberada e rebatida posteriormente, e o músculo extensor ulnar do carpo. O tendão conjunto, composto pela origem da musculatura extensora-supinadora, foi dissecado até revelar o complexo ligamentar lateral e a cápsula articular proximalmente e o músculo supinador distalmente. Em seguida a origem do músculo supinador foi liberada para isolar a inserção do LCLU.
As mensurações foram feitas com uso de um paquímetro digital Mistainless® com o cotovelo sobre a mesa de dissecção em 90 graus de flexão e sem estresse em varo e valgo. Para demarcação dos limites dos segmentos medidos utilizaram-se agulhas de 40 x 1,2mm.
Foram registradas as seguintes medidas dos cotovelos estudados: o footprint insercional do LCLU, distância entre a borda proximal da cartilagem da cabeça do rádio até a inserção proximal e distal do LCLU, distância entre a borda proximal do olécrano até a inserção proximal e distal do LCLU, distância entre a borda proximal da cartilagem da cabeça do rádio até a borda distal do ligamento anular (figura 1). Foram ainda registrados o gênero, lado, idade e altura dos cadáveres.
Observou-se ainda, quais ligamentos formavam o complexo ligamentar lateral e o padrão de inserção do LCLU e do ligamento anular, se conjunto ou separado.
RESULTADOS
Em 10 casos o complexo ligamentar lateral era composto por quatro ligamentos (anular, colateral lateral ulnar, colateral lateral radial e acessório) e em 3 casos não foi observado o ligamento acessório. A inserção do ligamento colateral lateral ulnar foi conjunta com o ligamento anular em 2 cotovelos, e em 11 deles foi possível diferenciar a inserção do LCLU pela presença de um forame preenchido por tecido adiposo.(figura 2)
A distância média entre a borda da cabeça do rádio e a inserção proximal do LCLU foi de 13,6mm (11,7-16,2mm), a distância média entre a borda da cabeça do rádio e a inserção distal do LCLU foi de 22,9mm (20,2-26,4mm) sendo que o ponto médio entre a inserção proximal e distal estava a 18,2mm da cabeça do rádio.
A distância média entre a ponta do olécrano e a inserção proximal do LCLU foi de 38,2mm (33,6-43,9mm), a distância entre a ponta do olécrano e a inserção distal do LCLU foi de 47,6mm (42,6-55mm) sendo que o ponto médio estava a 42,9mm da ponta do olécrano.
Nos dois casos em que a inserção do LCLU foi conjunta com o ligamento anular, mediu-se a distância entre a borda da cabeça do rádio e a margem distal do ligamento anular na região anterior do rádio onde o LCLU não está presente. Diminuindo-se o comprimento da inserção do ligamento anular do valor total da inserção conjunta obtivemos o footprint. A medida do footprint do LCLU na ulna variou de 7,5 a 11mm (comprimento médio de 9,3mm).
DISCUSSÃO
Em 1985 Morrey and Ann(10) realizaram um estudo anatômico em que chamaram de ligamento colateral lateral ulnar uma estrutura posterior ao ligamento colateral radial que prolongava-se ao ligamento anular e inseria-se na crista do supinador. Esta estrutura foi observada em 5 de 10 cotovelos dissecados e naquela época não lhe era atribuído importância na estabilização do cotovelo. Beckett et al(11) estudaram 39 cotovelos de cadáveres para descrever as variações anatômicas do complexo ligamentar lateral e identificaram que o LCLU estava presente em apenas 50% dos casos.
Olsen et al(17) observaram a presença do LCLU em todos os casos de seu trabalho, assim como em nosso estudo onde este ligamento foi identificado em 100% dos cotovelos dissecados (figura 3). Uma análise histológica e anatômica realizada por Imatani et al(12) também reconheceu o LCLU em 100% dos cotovelos estudados. Além disso, mostrou que este ligamento encontra-se relacionado com a fáscia dos músculos extensor ulnar do carpo e supinador na sua porção média e com o ligamento colateral lateral radial na sua porção proximal, dificultando sua identificação macroscópica nos estudos anatômicos, causando o equívoco de que ele não exista. Vieira e Caetano(18) publicaram em 1999 um estudo anatômico em que descrevem com detalhes o complexo ligamentar lateral sendo composto pelo ligamento colateral lateral ulnar, ligamento colateral radial, ligamento acessório e ligamento anular.
Em nossa dissecção observamos a íntima relação entre o tendão conjunto dos músculos extensores-supinadores, a origem do complexo ligamentar lateral e a cápsula articular, que dificultava a separação destes elementos. Na origem do complexo ligamentar lateral não se pôde diferenciar a banda ulnar e radial do ligamento colateral lateral, o que está em concordância com a literatura(10,12,17,18). Na inserção do complexo ligamentar lateral, foi possível identificar o LCLU separado do ligamento anular em 11 cotovelos. Este tipo de inserção do LCLU isolado foi observado por Olsen et al(17) em 100% dos casos e por Cohen e Hastings II(19) em 22 dos 40 cotovelos estudados.
Desde que a instabilidade rotatória posterolateral foi descrita por O`Driscoll(4), o LCLU tem sido apontado como o principal restritor a este deslocamento. Entretanto, estudos(2,19-21) ressaltam a importância de todo o complexo ligamentar lateral, dos septos, fáscias e musculatura extensora-supinadora, evidenciando que o LCLU não é o único responsável. Cohen e Hastings II (19) realizaram um trabalho anatômico onde seccionaram as estruturas estabilizadoras laterais do cotovelo seriadamente observando que a lesão das fibras do LCLU resultava em apenas 15% do deslocamento total. Desta forma, sugeriram que mais de uma estrutura deve estar comprometida para causar um deslocamento substancial da cabeça do rádio(19). Semelhantemente, Dunning et al(20) observaram que o teste do pivot shift foi negativo e não houve diferença na magnitude da pronação-supinação e lassidão em varo-valgo quando apenas o LCLU era seccionado em comparação ao cotovelo intacto. Estas evidências foram confirmadas pelas pesquisas de McAdams et al (21) e Olsen et al (2).
Apesar disso, a cirurgia para correção da IRPL ainda visa somente a reconstrução do LCLU. Entretanto a literatura tem sido pouco precisa no local de inserção do túnel ulnar.(9,13-16) Em 1992, Nestor et al (13) publicaram um artigo onde descreveram a região logo posterior ao tubérculo do supinador como o ponto do túnel ulnar. Lee e Teo (9) descrevem a localização do túnel ulnar como posterior a crista do supinador. Rizio(14) relatando um caso de reconstrução em paciente com esqueleto imaturo também cita apenas a crista do supinador, assim como o trabalho biomecânico de King et al (15) e o estudo de Olsen e Söjbjerg(16).
O ponto de inserção ulnar deve reproduzir a anatomia original do complexo ligamentar lateral para melhor resultado.(22)Todavia, a inserção conjunta do ligamento anular e LCLU na ulna mede em média 2cm e não há relato do comprimento da inserção isolada do LCLU.(1,15,23) Em nosso estudo conseguiu-se medir este footprint (valor médio de 9,3mm) facilitando assim a medida do local de inserção do LCLU.
Goren et al (23) realizaram um estudo biomecânico visando identificar a melhor localização dos túneis umeral e ulnar através de um programa de computador que media as variações das distâncias entre os pontos escolhidos durante a flexo-extensão. Ao final do estudo identificaram que não há um verdadeiro ponto isométrico universal do LCLU e existe uma variação individual estatisticamente significativa para a inserção dos túneis. Entretanto, o ponto de maior isometria seria entre 16 e 20mm distal a face articular da cabeça do rádio. Esta informação está de acordo com o resultado de nossa pesquisa em que encontramos o ponto médio de inserção do LCLU a 18,2mm da cabeça do rádio. Em contrapartida, Moritomo et al(24) em seu trabalho pesquisando o ponto isométrico do LCLU in vivo estabeleceu três pontos de inserção na ulna, a 5, 15 e 25mm distal da face articular da cabeça do rádio para serem testados e não conseguiram identificá-lo, evidenciando que o LCLU não é isométrico.
Além de utilizar a cabeça do rádio, como já descrito na literatura(23,24), o presente estudo acrescentou a ponta do olécrano como ponto de referência e parâmetro fixo, por situar-se no mesmo osso, para aumentar a precisão do local correto da inserção do LCLU na ulna (média de 42,9mm). Não foram encontrados na literatura consultada estudos semelhantes com medidas feitas a partir da ponta do olécrano (mesmo osso) até a zona de inserção do LCLU. (figura 4).
CONCLUSÕES
Concluímos que a inserção do LCLU possui um footprint amplo com média de 9,3mm (7,5-11mm). O ponto médio de inserção ulnar situa-se a 18,2mm da cabeça do rádio e a 42,9mm da ponta do olécrano.
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