Resumo
Os autores descrevem os tempos cirúrgicos da reconstrução do ligamento cruzado anterior por via artroscópica, usando como enxerto os tendões flexores mediais e tendo, como forma de fixação o Sistema TransFix®. Os princípios, descrição e recomendações sobre esta técnica podem também ser considerados para outras técnicas de fixação similar.
Descritores: Joelho; Ligamento cruzado anterior
Introdução
Atualmente há um grande número de técnicas cirúrgicas de reconstrução do ligamento cruzado anterior (L.C.A), mas as reconstruções intra-articulares são as que apresentam resultados mais favoráveis e previsíveis. As técnicas cirúrgicas intra-articulares mais difundidas são as que utilizam como enxerto o terço central do tendão patelar com porção óssea nas extremidades e as que usam os tendões do Semitendineo (S.T.) e Grácil.
Estes transplantes de tecidos biológicos são selecionados com base em suas propriedades mecânicas e o seu sucesso, como substituto do L.C.A, depende do processo de remodelação fisiológica e biomecânica que se segue.
O uso dos tendões flexores acarreta menor índice de complicações no sitio doador, tais como dor anterior,retração cicatricial, fratura de patela e limitação da flexo-extensão.
Por outro lado, o uso do S.T. e Grácil teria a desvantagem potencial da menor resistência mecânica e menor rigidez na fixação, o que é contornado com o uso de tendões dispostos de forma dupla com quatro feixes e o uso dos recentes métodos de fixação. A capacidade que a Pata de Ganso tem de evitar a translação tibial anterior fica diminuída, embora não cause repercussão clínica considerável e, posteriormente, esta função é readquirida.
Estes avanços técnicos nos motivaram a utilizar os tendões do S.T. e Grácil, cada um de forma dupla, resultando em quatro feixes, com fixação femoral através de um parafuso transverso, e a fixação tibial através do parafuso de interferência absorvível. O conjunto apresenta segurança para uma reabilitação precoce, uma vez que dispõe de uma boa resistência mecânica se comparado a outros métodos de fixação. A queixa dolorosa anterior é rara e o resultado final tem sido animador.
Indicações
Indicamos este procedimento naqueles pacientes com maturidade esquelética que apresentam instabilidade nas atividades cotidianas, levando-se em consideração a idade e as futuras expectativas dos mesmos. Nos esportistas, que desejam manter a atividade atlética, também optamos por esta técnica, inclusive nos casos que exigem alta resistência mecânica do novo ligamento.
A possibilidade cirúrgica também deve ser considerada em pacientes adultos jovens, mesmo sem quadro clinico exuberante.
Técnicas em Ortopedia
As radiografias incluem ,de rotina ,as incidências antero- posterior, perfil, axial e tunelar. O exame de Ressonância Nuclear Magnética é importante, principalmente, no auxilio diagnostico de lesões associadas.
Técnica Cirúrgica
O paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal na mesa cirúrgica após bloqueio regional.O membro inferior é fletido e mantido fora da mesa, através de um anteparo lateral, ou com o uso do ¨leg-holder¨.
É feita uma incisão longitudinal de aproximadamente 4 cm na face medial da perna, na altura da inserção da Pata de Ganso. Após a identificação dos tendões do S.T. e Grácil, faz-se a sua desinserção distal e, com o auxilio de um extrator (Stripper), realiza-se a secção proximal na transição músculo tendinosa de ambos os tendões individualmente. O enxerto é preparado com um fio Ethbond, em mesa auxiliar, usando pontos tipo “bola de beisebol”. Concomitantemente, o cirurgião introduz, através do portal antero-lateral, o artroscópio, visibilizando as estruturas intra- articulares e fazendo as correções das respectivas lesões detectadas (lesões meniscais, lesões oesteocondrais, etc). A seguir, é feita a limpeza do espaço intercondilar para visibilizar melhor o ligamento cruzado posterior, face medial do côndilo lateral e espinha medial da tíbia, que são importantes pontos de referência do procedimento em curso.
Através do guia tibial, é introduzido um fio guia 0,7 cm anterior ao ligamento cruzado posterior e, em seguida, usando-se uma cureta para proteção de migrações deste guia, faz-se a perfuração do túnel tibial com uma broca de diâmetro correspondente ao diâmetro do enxerto
(Figura 1).
Figura 1. Mensuração do diâmetro do enxerto. |
Com auxílio do guia femoral, é localizado o ponto adequado no fêmur, usando-se a cortical posterior como referência (Figuras 2). A inclinação no plano coronal deverá corresponder a 01 hora no joelho esquerdo e 11 horas no joelho direito.Esta inclinação deverá ser considerada desde a confecção do túnel tibial.
Figura 2. Mensuração do diâmetro do enxerto. |
Após colocar o fio guia, faz-se a perfuração do túnel femoral com profundidade de 1 cm a mais que aquela ocupada pelo enxerto. Geralmente confeccionamos um túnel com 4 cm para que o enxerto ocupe 3 cm.
A parede posterior do túnel femoral deverá ter 0,2 cm de espessura aproximadamente.
Com o uso do terceiro guia (Figura 3), passa-se um fio que é transfixante e permitirá a marcação, com uma broca adequada, da cortical lateral, onde repousará a cabeça do parafuso (Figura 4).
Figura 3. Guia para introdução do fio transfixante. | Figura 4. Uso da broca para a cortical lateral onde ficara alojada a cabeça do parafu |
Um fio flexível (Nitenol) é ancorado no fio guia transfixante, ocupando seu lugar (Figura 5). Este, posteriormente, é tracionado distalmente, exteriorizando-se no túnel tibial (Figura 6).
Figura 5. Colocação do fio flexível. | Figura 6. Trajeto do fio flexível. |
Após a colocação do enxerto (Figura 7), tracione-o com o fio maleável para que o mesmo ascenda pelos túneis.
Figura 7. Tração no fio flexível. |
Coloque o parafuso transverso (Figura 8) usando suavemente o martelo.
Figura 8. Colocação do parafuso. |
O enxerto é fixado no túnel tibial com o parafuso de interferência bioabsorvível.
Observe artroscopicamente o enxerto em flexão e em extensão e descartar possíveis pinçamentos.
Usar dreno de sucção por aproximadamente 48 horas.
Conduta Pós-operatória
Embora adotemos uma reabilitação mais conservadora, já no 1º dia de pós-operatório, o paciente é estimulado a realizar flexo-extensão do joelho. Não usamos órteses, nem tão pouco limitamos a extensão. Também estimulamos ex er cícios isométricos, inclusiv e de quadríceps.Esperamos extensão total, já no 1º dia, e flexão próxima de 90.
Mesmo considerando-se a pouca utilização do L.C.A em simples caminhada, só liberamos a carga total sem auxilio de muletas após 21 dias.Nesta fase, já esperamos encontrar flexão superior a 120º.
Com dez semanas, além de mantermos as atividades para ganho de massa muscular, também iniciamos os exercícios de propriocepção mais intensos.
Atividades esportivas rigorosas, somente são autorizadas após oito meses do procedimento cirúrgico descrito acima.
Recomendações
- A identificação do tendão S.T. e Grácil è mais fácil por uma visão posterior, então desinsira e rebata toda a Pata de Ganso, isole a extremidade distal do Sartòrio, que tem a forma de fita e no final da cirurgia faça a reinserção.
- Atente, também, para uma expansão do S.T., que deverá ser retirada antes do uso do extrator.
- Nunca confeccione os túneis com diâmetro menor que o do enxerto com o objetivo de conseguir uma fixação e uma aderência mais efetiva do mesmo, pois, nesta técnica, é indispensável que o enxerto transite com facilidade nos dois túneis.
- Use o dilatador no túnel tibial, disponível no instrumental, aumentando a eficiência da fixação do parafuso bioabsorvível.
- Durante a colocação do enxerto nos túneis, a tração com fio flexível deverá ser realizada por um mesmo auxiliar enquanto o cirurgião acompanha o deslocamento do enxerto nos túneis. Faça movimentos transversos com fio maleável, para certificar-se que não ficaram dobras neste fio.Este procedimento realizado com cuidado, não leva a lesão do enxerto, como inicialmente pode se supor.
- Tensione, com vigor, o enxerto, após a colocação do parafuso transverso, e realize movimentos de flexo-extensão do joelho. Este procedimento é a forma encontrada para um pré-tensionamento de todo o conjunto, quando não houver disponível outro equipamento mais adequado.
- Use um parafuso de interferência bioabsorvÍvel com diâmetro 0,1 cm superior ao do túnel tibial. Outros métodos de fixação tibial podem ser usados como, por exemplo, parafuso com arruela. Não use agrafe, isoladamente, pela sua baixa resistência mecânica. Quando usar parafuso bioabsorvível de interferência, coloque-o o mais proximal possível, sem contudo, alcançar a linha articular.
- Uma sulcoplastia, que não usamos de rotina, poderá ser necessária, caso haja algum pinçamento do enxerto após sua colocação.Salvo em lesões mais antigas, isto ocorrerá, provavelmente, por uma falha na confecção dos túneis e a opção para contornar o problema fica restrita a este procedimento. É recomendável atingir a extensão total do joelho no per-operatório.